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terça-feira, 8 de maio de 2012

Jaime Bunda, agente secreto

Jaime Bunda, agente secreto

Nas tantas crônicas que escrevi sobre romances policiais, mencionei “a grande virada”. Vou relembrá-la. Desde que foi criada a fórmula policial, críticos literários de peso sempre classificaram os romances policiais como literatura de segunda linha, mas jamais acreditei que existam gêneros de primeira ou segunda linha: acho que existe literatura ótima, excelente, boa, regular ou péssima, dependendo unicamente da habilidade de cada autor, independente do gênero que praticam.

Em relação ao policial, em 1980 ocorreu a grande virada. Umberto Eco, o maior estudioso de Idade Média na Europa, aproveitou a fórmula em seu livro O nome da rosa. Já não se podia afirmar que usá-la era sinônimo de escrever romances de segunda linha.
No novo milênio, Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido como Pepetela, (Benguela, 29 de Outubro de 1941), escritor angolano vencedor do prêmio Camões de 1997, usou a fórmula para escrever sobre os problemas da sociedade angolana.

Toda a obra de Pepetela reflete sobre a história contemporânea de Angola e os problemas que a sociedade angolana enfrenta. Durante a longa guerra, Pepetela, angolano de ascendência portuguesa, lutou juntamente com o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) para libertação da sua terra natal. Seu romance Mayombe retrata as vidas e os pensamentos de um grupo de guerrilheiros durante a guerra; Yaka segue a vida de uma família colonial na cidade de Benguela ao longo de um século; e A Geração da Utopia mostra a desilusão existente em Angola depois da independência. A história angolana antes do período colonial também faz parte das obras de Pepetela, e pode ser lida em A Gloriosa Família e Lueji  — é nestes abismos sociopolíticos do país africano que Pepetela põe a mira de cada um de seus tantos livros publicados em mais de 30 países.
No novo milênio, também ele mergulhou na fórmula. Criou o personagem Jaime Bunda, que arrastando sua avantajada bunda pelas misérias de Luanda continua, com eficiência, a trajetória de seu criador. Jaime Bunda, uma paródia de James Bond, cujo apelido faz óbvia referência à sua anatomia, é um personagem obcecado pelos filmes do agente inglês e romances policiais norte-americanos, aspecto que alguns críticos consideram como ilustrativo de elementos do subdesenvolvimento de Angola — rebaixando a fórmula!!!! Uau!
Jaime Bunda é membro da uma família tradicional angolana que, graças a uma rara capacidade de observação dos detalhes, e por influência do primo, um figurão do governo, consegue o cargo de detetive estagiário — sem muitas atribuições e tendo de aguentar a gozação dos colegas investigadores. Bunda, por fim, recebe a oportunidade de provar que é competente, em seu primeiro caso importante.
No primeiro dos dois romances, Jaime Bunda, Agente Secreto, publicado em 2001, o protagonista investiga um estupro e assassinato de uma adolescente. Jaime parte com entusiasmo para a apuração do crime, ainda sem suspeitos, e, com seus métodos excêntricos, acaba por se envolver em uma trama complexa que reúne escroques internacionais, altos funcionários do governo e uma mulher misteriosa. Na investigação, segue um falsificador sul-africano chamado Karl Botha, uma referência ao ex-primeiro-ministro sul-africano P.W. Botha, quem autorizou a intervenção sul-africana em Angola em 1975.
O segundo romance, Jaime Bunda e a Morte do Americano, publicado em 2003, tem lugar em Benguela em vez de Luanda, e trata da influência norte-americana em Angola. Jaime Bunda investiga o assassinato de um norte-americano e tenta seduzir uma agente do FBI: o romance apresenta a crítica de Pepetela à política exterior dos Estados Unidos, com o comportamento pesado da polícia angolana refletindo a maneira como os norte americanos trataram os suspeitos de terrorismo durante o mesmo período.
Os romances são populares em Portugal, também tendo êxito em outros países europeus, como a Alemanha, onde Pepetela era desconhecido antes de usar a fórmula. Os livros protagonizados por Jaime Bunda são leves, são levíssimos, mas dão o seu recado. Com pitadas de graça e sátira, o escritor passeia pela corrupção, pela anomia, pela miséria cristalizada de uma favela chamada Roque Santeiro, no miolo da capital Luanda.
“Jaime Bunda, Agente Secreto” é, acima de tudo, uma parábola da organização social de Angola. O autor usa seu olhar crítico para denunciar, com bom humor, o ranço colonial que ainda resiste nas instituições angolanas, e assim apresenta um retrato pouco conhecido de seu país, infelizmente, tão parecido com o Brasil.

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