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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Leite e uísque

Leite e uísque

No mês de setembro (entre os dias 19 e 22), acontecerá em São Paulo, a PAULICEIA LITERÁRIA, onde se pretende homenagear autores paulistas. As mesas, ao estilo da Flip, ocorrerão na Associação dos Advogados de São Paulo. Vou participar de algumas delas e darei notícia. Por conta disto, vou falar do escritor paulista Luiz Lopes Coelho. E falo por dois motivos: ele era advogado e escritor de livros policiais.
Numa das primeiras crônicas que escrevi sobre o gênero policial mencionei o livro O Mistério, publicado em capítulos no jornal A Folha a partir de 20 de março de 1920, e logo depois editado em livro pela Companhia Editora Nacional. O Mistério foi o primeiro livro policial de que se tem notícia no Brasil e ditou por muito tempo o tom de sátira aos nossos escritores. Em O Mistério, não só o detetive protagonista e a polícia como instituição são alvos do cômico, mas a própria narrativa é ironizada em vários aspectos. No entanto, também tivemos uma linha mais séria. O elo que ligou o gênero policial praticado pelos clássicos europeus e americanos ao Brasil foi sem sombra de dúvidas Luiz Lopes Coelho.
O difícil de escrever sobre ele é que começamos a reler os contos e… entramos numa deliciosa realidade de São Paulo nos anos 60 e esquecemos da crônica. Mas, vamos lá!
Ele publicou três livros de contos: A Morte No Envelope (1957), O Homem Que Matava Quadros (1961) e A Ideia De Matar Belina (1968). Este último foi reeditado em 2004 pela Editora DBA na coleção ruído, dedicada a autores já mortos que deixaram uma obra ruidosa, perturbadora e provocativa. Pesquisando sobre ele na internet, encontrei mais um livro: Ninguém Morre Duas Vezes publicado na Coleção De Mão Em Mão (2012) onde estão reunidos alguns dos seus melhores contos, quase todos protagonizados pelo delegado Leite. É um livro gratuito e pode ser baixado no formato pdf.
Apesar da obra ruidosa, existem poucas referências sobre a pessoa de Luis Lopes Coelho. Sabe-se que colecionou títulos. Foi diretor da Fundação Cinemateca Brasileira, diretor presidente da Associação dos Amigos do Museu de Arte Moderna, membro do Conselho Consultivo da Fundação Bienal de São Paulo, conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo e secretário do partido Socialista Brasileiro. Foi frequentador assíduo do Clubinho, no centro paulistano e gostava mesmo era de uma boa história junto à boemia artística da época, regada a muito uísque.
Começou a escrever com mais de 50 anos e criou o detetive Leite, que bebia muito uísque, resolvia seus casos deitado na rede do seu apartamento em São Paulo, tendo sempre ao lado (a exemplo do comissário Maigret de Simenon) uma esposa simpática e dedicada. Luis Lopes Coelho descreve como ninguém a sociedade paulista, simples e ingênua, dos anos 60. É delicioso acompanhar suas descrições da sociedade paulistana que frequentava o Jockey Clube, confeitarias, boates e outros locais da moda. Seus contos não tem a violência dos dias de hoje. São comparáveis aos contos clássicos de sua época.
Millôr Fernandes, que foi seu amigo, escreveu que em 1972, quando teve de assumir O Pasquim, em vias de fechar, ligou para Luiz Lopes Coelho. O amigo encarou o desafio e foi um dos salvadores de O Pasquim.
Foi em 1973, numa entrevista para O Pasquim que Luiz Lopes Coelho revelou um pouco de seus segredos. Vivia num apartamento na Avenida São Luis. Seu detetive Leite, segundo ele, era baseado em seu amigo delegado João Leite Sobrinho, que atuava na Homicídios em São Paulo. Bonachões, tanto o personagem como o delegado eram dotados de qualidades humanas.
Apesar de toda experiência, Luis Lopes Coelho garante que João Leite nunca o ajudou com informações profissionais no momento de inspiração. Só lhe narrava alguns casos estranhos que eram o estopim de ideias para os contos. Ele conta que “uma dentista de voz estridente, membro do partido socialista, foi encontrada morta por asfixia esparadrapal.” “Troquei um pouco para não copiar completamente. A realidade é tão chata que a gente não deve copiá-la. Então asfixiei-a com discos”.
Suas influências são os clássicos: Rex Stout, Agatha Christie, George Simenon e Edgard Allan Poe. Nesta entrevista, ele afirmou que Allan Poe criou o primeiro detetive do mundo “entre um porre e outro! Entre um porre e outro, fazer o que fez….É bom beber, ne?”
No meio das piadas que cercavam o espírito de O Pasquim, ele dava sua receita de crimes, revelando que seu modo de matar “é de um andaime ao contrário. Primeiro você acha o fim, o original curioso, da morte nova, da forma de morte nova. Depois você descobre um jeito de matar novo. Porque o que é interessante é o mistério até o final”.
Por falar em mistério, disso ele entendia muito bem. Seus contos mostram a seriedade com que via seu trabalho, criando e mantendo suspense até o final. Além disto, trabalhava muito bem os elementos que formam a essência do gênero policial. Também cuidou muito bem do aspecto psicológico dos envolvidos e as nuances da convivência humana, lançando um olhar compreensivo sobre os costumes da época.
Na sua entrevista ao Pasquim, ele diz que gostaria de ter sido “coqueteleiro”. “Se porventura o socialismo viesse a dominar o país, perderia minha qualidade de advogado. Assim cuidei de estudar o negócio dos coquetéis porque em qualquer regime há um bar.” E de receita em receita forneceu a que havia criado com o pintor Cláudio Graciliano: “Três golejos de gim, duas pingadas de peppermint, mais um pouco de gim; mais uma golejada de vermute italiano. Bata com gelo. Sirva com coragem!”

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