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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Onde tudo acaba em pizza

Onde tudo acaba em pizza

Numa das primeiras crônicas que escrevi sobre o gênero policial mencionei o livro O Mistério, que foi publicado em capítulos no jornal A Folha a partir de 20 de março de 1920, e logo depois editado em livro pela Companhia Editora Nacional.
Volto ao assunto, pois foi o primeiro livro policial produzido no Brasil e ditou por muito tempo o tom de sátira aos nossos escritores. Em O Mistério, não só o detetive protagonista e a polícia como instituição são alvos do cômico, mas a própria narrativa é ironizada em vários aspectos.
Em primeiro lugar, encontramos uma desvalorização do gênero policial. Logo no primeiro capítulo, ao apresentar o assassino, afirma-se que ele “lera centenas de romances e contos policiais, não pelo prazer que pudesse fazer essa baixa literatura, mas pelo desejo de estudar todos os meios de levar a cabo o crime que projetava e de escapar à punição.” (grifo meu)
O detetive protagonista Mello Bandeira, que procura ser como Holmes, uma máquina de pensar, é surpreendido em uma atitude carinhosa para com uma das moças detidas para investigação. Tal deslize não é perdoado, o que faz com que o personagem se suicide.
Por outro lado, o assassino Pedro Albergaria é a personagem através da qual os autores farão críticas à polícia mais insistentemente: denuncia-se seu comprometimento com a classe dominante, sua subordinação à imprensa e à opinião pública, seus métodos violentos de obter informações e confissões e a participação da polícia na contravenção.
Ao final do livro, Pedro Albergaria confessa seu crime e vai a julgamento. Apesar de réu confesso, é absolvido, o que transforma o assassinato de Sanches Lobo em um crime impune. Logo que Pedro Albergaria confessa seu crime, Dr. Viriato Corrêa, seu advogado, já vê nesse crime, em primeiro lugar, um “drama magnífico a desenrolar-se no tribunal popular”. Além disso, o advogado resolve munir-se de um esquema de chantagem emocional, pois, segundo a narrativa, “brasileiro é piedoso, consente, vá lá que se mate e roube… mas que o assassino ou ladrão sejam presos, coitados! Isto é que não, isso é que é demais – na rua com eles!”
Desde então foram muitas as incursões de autores brasileiros no gênero policial. Não se pode afirmar que o Brasil possua uma Literatura Policial com letra maiúscula, fisionomia definida e consolidada. A ficção policial brasileira é um organismo ainda em formação que, aos poucos, vai adquirindo traços mais vívidos, pondo em relevo características comuns presentes na prosa e no estilo dos nossos escritores, eu incluída entre eles: venho tentando me firmar no gênero, com o detetive Alyrio Cobra.
Observando nossa primeira história policial, recordei-me do recente sucesso do livro 1808, fundamentado em pesquisa histórica, que conta como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte completamente corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. Indo uns poucos anos para trás, até 1995, acredito que a maioria dos brasileiros se estarreceu com o filme de Carla Camurati, Carlota Joaquina, princesa do Brasil. Digo “se estarreceu”, não pela qualidade do filme, muito bom, mas por estar pela primeira vez tomando conhecimento dessa história maluca, onde tudo era sátira, e tão parecida com a realidade do nosso presente político!
Nem vamos enveredar pelo realidade atual das nossas classes governantes, o que não é o assunto desta crônica. Mas parece que tudo se completa, desde a sátira em relação ao gênero policial. Repetindo as palavras do famoso jornalista Bóris Casoy, parece que aqui tudo acaba em pizza com sobremesa de marmelada.
Até a próxima.

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