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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O destino bate à sua porta

O destino bate à sua porta

Na semana passada, quando falei sobre o enredo do livro Acima de Qualquer Suspeita, revelei que ele possuía o mesmo enredo de Édipo Rei, ou seja, o personagem principal, o investigador, acaba chegando a si próprio: apenas uma pista de como ele realiza a investigação. Assim, para os leitores que não leram o livro, converti um efeito de suspense (quem é o assassino?) em um enigma de mistério (como foi que ele fez?).
Um mistério que se resolve é, em última análise, um acontecimento que conforta o leitor, que assegura o triunfo da razão sobre o instinto, da ordem sobre o caos, seja nas histórias de Holmes ou nos casos relatados por Freud.
Esta semana vou falar de um autor que inverteu a fórmula: ao invés de crime, investigação e solução, ele optou por contar como o personagem chegava ao crime, ou seja, usou a questão “como foi que ele fez”.
Voltando um pouquinho às origens do hard boiled, falei bastante sobre Chandler e Hammett. Vou falar um pouco sobre James M. Cain — um autor importante no estilo hard boiled americano. Houve inclusive um biógrafo que o chamou de “o ovo de vinte minutos da ficção supercozida”, o super Hard Boiled!
Cain custou a ser reconhecido como um escritor noir porque escreveu muitas outras coisas, de diferentes estilos. E quando escreveu romances noir, Edmund Wilson, o terror em crítica literária da época, o pichou e detonou sua reputação.
Enquanto Hammett e Chandler escreviam sobre detetives delicados/durões, que tentavam desenredar a confusão causada por outra pessoa com um ato violento ou ganancioso, Cain criava personagens bidimensionais, interessados apenas em si mesmos e motivados pelo desejo de dinheiro e sexo. São personagens falhos, por serem demasiado e inteiramente maus, e o autor não demonstra piedade por eles.

Diante da pergunta “como foi que ele fez?”, Cain desenvolveu o conceito de contar a história do ponto de vista do criminoso. O material de que foram feitos seus livros é o da grande literatura: dinheiro, sexo e morte. Com estes três elementos em jogo, os escrúpulos não contam muito.
Através das emoções do criminoso, o autor aos poucos cria a tensão psicológica capaz de levar ao assassinato.

Suas obras são muitas, entre elas A mulher do Mágico e A história de Mildred Pierce. Mas seu grande sucesso foi O destino bate à sua porta. Em 1934, quando foi publicado, este livro chocou tanto o público americano que foi condenado por imoralidade e proibido de circular em Boston.
Na verdade, neste romance, a violência e o erotismo estão organizados de tal maneira que dificilmente perderão força. A história é simples: o vagabundo de beira de estrada conhece a mocinha ordinária, que infelizmente é casada. Como o marido é um estorvo, que não os deixa muito à vontade para viver sua tórrida paixão, por que não acabar com ele de uma vez? São personagens secas e más. Movimentam-se em função da própria paixão e vão até o assassinato.
Também o texto é seco. A trama cerrada e a caracterização impecável dos personagens são outras virtudes deste clássico de James Cain.  Considerado na época rudimentar e grosseiro pela crítica, Cain hoje é visto como um clássico, e reconhecida a influência de O destino bate à sua porta sobre o aplaudido romance existencialista de Camus, O Estrangeiro (L’Étranger, 1941).
Em 1946, “O destino bate à sua porta” ganhou sua primeira versão cinematográfica, com Lana Turner no principal papel feminino; em 1981, refilmado com Jack Nicholson e Jessica Lange, teve sua contundência confirmada por duas interpretações magistrais.

Se eu tivesse que recomendar uma das duas, seria difícil. Minha recomendação é: assista ambas!
Até a próxima!

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