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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Advogados acima de qualquer suspeita

Advogados acima de qualquer suspeita

Logo que comecei a escrever sobre o gênero policial, mencionei que o primeiro detetive surgiu quando as grandes cidades começavam a se formar. O mundo, que passava por uma grande mudança, a revolução industrial, de lá para cá se tornou muito mais complexo. Não vou enumerar estas complexidades, pois uma crônica não seria suficiente.
No mundo moderno interagimos mais. No entanto, a natureza humana, sendo o que é, faz com que a interação gere disputas. Em gerações passadas, nossas diferenças eram geralmente dirimidas por instituições como igrejas, famílias, grupos comunitários. A maior parte da roupa suja era lavada em casa. Passado o sufoco após a Segunda Guerra, as pessoas passaram a apelar para os advogados. A resposta universal, aparentemente automática para qualquer erro ou prejuízo, é: “Vamos processar!”
As salas dos tribunais, nos últimos cinquenta anos, também se tornaram um caldeirão onde os valores nacionais são moldados. As cortes de justiça passaram a ser mobilizadas para arbitrar contendas de significação moral e até mesmo religiosa – direito de aborto, assédio sexual, discriminação baseada em preferência de raça, gênero sexual etc. As gerações que nos antecederam teriam certamente ponderado que estas questões eram inadequadas para o procedimento judicial; hoje, os tribunais têm a última palavra, e a roupa suja é lavada em público.
Na medida em que a influência de outras instituições sociais definhou, os tribunais preencheram a lacuna. Não é de admirar que as pessoas se mostrem curiosas sobre os mecanismos internos do judiciário. A partir desta modificação no sistema e na vida cotidiana das pessoas, nos Estados Unidos surgiram diversos livros em que o detetive é o advogado.
A fórmula “crime, investigação e solução” continua exatamente como nas histórias anteriores. A diferença é que a investigação em geral acontece nos tribunais. Quando o detetive aponta o criminoso, há uma sensação de que o mundo foi resgatado do caos, que a ordem foi restabelecida. Esta ordem estabelecida acontece no sentido legal, na medida em que os personagens se esforçam para compreender não apenas o que é certo e o que é errado, mas o sentido da justiça (um conceito mais difícil e ilusório) num mundo aparentemente mais injusto.
Foi neste mundo que surgiu Rusty Sabich, personagem de Scott Turow, no livro Acima de Qualquer Suspeita. Sabich, um promotor, descobre que sua colega Carolyn Polhemus foi assassinada de maneira brutal, e é obrigado por seu chefe Raymond a lidar com as investigações. Raymond quer se reeleger para o cargo que ocupa e concorre com Tommy Molto, que está de olho em Rusty e suas atividades.
É Tommy quem garante que Rusty estava no apartamento da morta no dia de seu assassinato e que deixou suas impressões digitais num copo. Rusty é preso e desprezado pelo chefe, que lhe nega apoio. Entra em cena um advogado que vai provar sua inocência com a ajuda do detetive Lipranzer, colega de trabalho de Rusty, e de Barbara, sua esposa.
Não posso afirmar que este tenha sido o primeiro detetive advogado. Mas foi o primeiro que eu li, e amei. E pasmem, a trama é a de Édipo! O personagem principal vai em busca de si mesmo… (Putz! contei o final da história!)
Édipo ouviu de Creonte que o antigo rei estava num comboio e tinha sido morto por salteadores; e anuncia que fará o possível e o impossível para capturar o assassino. Para ajudar na investigação, chama Tirésias, um velho cego que fica sabendo das coisas através do canto e do voo dos pássaros.
Este, porém, não quer falar sobre o acontecido, já que tal revelação poderia trazer mais infelicidade, principalmente para o rei. Após muitas ameaças deste, Tirésias diz que o assassino é o próprio rei. Édipo continua a investigação e acontece toda a tragédia para ninguém botar defeito!
“Acima de Qualquer Suspeita”, tornou-se filme em 1990, com direção de Alan J. Pakula, com ninguém menos que Harrison Ford no papel principal.
Além de Turow, John Grisham tem vários títulos nas nossas listas de mais vendidos, e teve todos os seus livros filmados. Seu primeiro livro foi Tempo de Matar, passado em um tribunal. O filme conta a história de Carl Lee, um pai que teve sua filha estuprada aos dez anos de idade por dois homens brancos, bêbados e racistas na cidade de Canton, no Mississippi.
Lee dispara tiros com uma metralhadora na entrada do julgamento (ainda não existiam detectores de metal), matando dessa forma os dois agressores. De quebra, deixa deficiente um policial que os acompanhava e se pusera na linha de tiro. Não vou contar o final!!
William Bernhardt criou o detetive Ben Kincaid. Seu primeiro livro, Justiça Cega, teve a mesma trajetória de sucesso.
Como vemos, a fórmula vai mudando, vai sendo adaptada ao momento histórico do planeta e consegue assim pegar o leitor. Até a próxima!

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