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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A fórmula, na França e no Brasil

A fórmula, na França e no Brasil

Na semana passada falamos um pouco sobre as damas do crime, seus cadáveres encontrados em ambientes fechados e bons detetives, conhecedores da alma humana, investigando e apontando o culpado. É preciso não esquecer de que todas elas se formaram na época em que Freud elaborava as bases das ciências psi, daí seus detetives serem tão versados no conhecimento da alma humana.
Em 1903 nasceu Georges Simenon, escritor belga de língua francesa. Foi um romancista de uma fecundidade extraordinária: escreveu 192 romances, 158 novelas, além de obras autobiográficas. Escreveu numerosos artigos e reportagens com seu nome e outro tanto sob diferentes pseudônimos.
Para a história do gênero policial, o que interessa é seu personagem, o Comissário Maigret, protagonista de 75 novelas e 28 contos. Vendeu milhares de livros em todo o mundo!
O Comissário Maigret surgiu em 1931. Fumante de cachimbo, usava sempre sobretudo de gola de veludo acompanhado do chapéu. Era um homem grande e gostava de boa comida. Pode-se dizer que Maigret rivaliza em prestígio com os mais famosos detetives da literatura policial, como Sherlock Holmes e Hercule Poirot; e é, sem dúvida, o mais humano.
Parisiense, vivia num apartamento no Boulevard Richard-Lenoir com sua esposa Louise. Simenon criou para seu personagem uma tranquilidade doméstica que ele próprio, segundo suas autobiografias e biografias, jamais teve. Maigret viveu apaixonado por sua esposa e sempre foi seu amigo e confidente. Enquanto resolvia seus casos, gostava de ir para a casa, conversar com sua esposa. A única pedra no seu sapato era o magistrado Cornelius.
Nas suas histórias, não existe um conhecimento muito profundo da alma humana. Maigret envereda pela psicopatologia do cotidiano (Freud, 1901). Gostava de ir ao local onde o crime havia ocorrido, em geral pequenas vilas francesas, e sentir a atmosfera, observar pequenos detalhes, como a maneira da mulher pegar no braço do marido e como se comportavam as pessoas no primeiro encontro; sentir os pequenos deslizes, pequenas coisas esquecidas em determinados locais.
Enquanto ele está “sentindo” o local, o leitor tem a sensação de que ele não está fazendo nada. Mas ele está observando todos os pequenos detalhes, uma observação sempre seguida de um olhar cético sobre a sociedade. E é por aí que os casos são resolvidos. Mais do que um crime a ser desvendado, é a correta colocação de cada personagem em seu ambiente e a valorização dos dramas humanos que fazem dele um autor consagrado.
Simenon usava um vocabulário relativamente pequeno, de 2 mil palavras, para escrever suas histórias. Propunha uma intriga simples, mas com personagens fortes, um herói humano, obrigado a ir ao fundo de sua lógica. A mensagem de Simenon é complexa e ambígua: nem culpados, nem inocentes, mas culpas que se engendram e se destroem em uma cadeia sem fim. Seus romances colocam o leitor em um mundo rico de formas, cores, sentimentos e sensações desde a primeira frase.
Seus melhores romances são baseados em intrigas e assassinatos nas pequenas vilas de províncias francesas. A investigação evolui à sombra de personagens de aparência respeitável, que engendram empresas tenebrosas. É nesse clima que o comissário Maigret come especialidades locais, bebe boas bebidas e acaba apontando o assassino.
Até aqui, falei bastante sobre o policial europeu. No entanto, é preciso saber que aqui no Brasil, em 1920, escreveu-se a primeira narrativa policial de que se tem notícia. Foi publicada em capítulos pelo jornal A Folha a partir de 20 de março, e editada em livro no mesmo ano. A narrativa, chamada O Mistério,  foi escrita por quatro escritores, ou seja, a oito mãos: Coelho Neto, Afrânio Peixoto, Medeiros e Albuquerque e Viriato Corrêa. Além deles, o exemplo mais famoso de parceria em policiais é a dupla de primos norte-mericanos Manford Lepofsky e Daniel Nathan, que criou o autor detetive Ellery Queen.
No caso de O Mistério, a parceria se dava com cada um dos autores escrevendo um capítulo e o próximo deveria continuar dali, sem um planejamento prévio. No romance, temos o Major Mello Bandeira, detetive policial encarregado de investigar um caso de assassinato. Ele é relacionado à literatura policial europeia e descrito como o “Sherlock da cidade”. Esta característica acaba sendo motivo de situações cômicas. Ao tentar aplicar métodos científicos tecnológicos de investigação na linha Holmes, o Major Mello Bandeira acaba por se dar mal e por ser alvo da ironia dos companheiros. Ao colocar cães rastreadores no encalço do criminoso, eles acabam se voltando contra o próprio investigador, que esqueceu em seus bolsos as luvas e os sapatos do assassino.
Mello Bandeira procura ser, como Holmes, uma máquina de raciocinar. Mas o surpreendemos em uma atitude carinhosa com uma das moças detidas para investigação. Tal deslize, naquele que pretendia ser o protótipo da máquina de pensar, não é perdoado por Medeiros e Albuquerque, que faz com que a personagem se suicide.
Como podemos ver, a fórmula, aos poucos foi evoluindo segundo o pensamento da época e se espalhando pelo mundo, chegando até o Brasil.
Até a próxima!

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