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terça-feira, 2 de agosto de 2011

E terminando com um final feliz

E terminando com um final feliz

Na semana passada falamos sobre a criação da fantástica fórmula literária: crime, investigação e solução. É como a invenção da roda: nos dias de hoje ninguém se pergunta como alguém teve essa ideia, e com o romance policial acontece o mesmo. O leitor devora o livro e basta. No entanto, uma pesquisa minuciosa vai nos levar a entender melhor a criação desse homem que é uma máquina de pensar. Allan Poe soube captar a essência de sua época.
Quando engendrou Os Crimes da Rua Morgue, a filosofia corrente era o positivismo, que considerava como único conhecimento legítimo o que se encontrava nas ciências naturais, baseado na observação, experimentação e utilização de conceitos matemáticos. Acreditava-se que a ciência deveria se basear na evidência (que fornece ideias claras e distintas) e na dedução que as encadeia (técnica que o primeiro detetive vai usar). Na mesma época, Comte criava a sociologia, uma ciência fundada na análise de fenômenos diretamente observáveis.  Era também a época em que Charles Darwin, baseado na observação da natureza, estava formulando o seu livro A Origem das Espécies.
Foi baseado na observação que, aos poucos, percebeu-se que mesmo no anonimato da cidade grande o criminoso deixava marcas. Ninguém se deslocava sem deixar traços. Muitos foram os folhetins publicados na imprensa da época que falavam de violência e crimes. No entanto, foi Edgar Allan Poe quem criou um homem genial, capaz de observar cientificamente cada um dos traços deixados pelo criminoso e, através deles, detectar o assassino.
Esse homem genial também recebeu uma pitada de influência do romance de cavalaria do final do período medieval, feito de um enredo cheio de suspense e violência e que tinha como propósito o modelo cristão em que os cavaleiros do bem, que em geral saíam em busca do santo Graal, vencessem o mal após muitas e variadas peripécias. Chandler, num ensaio, fala do detetive como um cavaleiro errante pelas ruas de Los Angeles, a cidade grande. Acredito que o romance policial traz também dos romances de cavalaria a sua carga mítica: a grande luta do bem contra o mal que termina por apontar o criminoso.
O fato é que apesar de boa parte dos críticos considerarem a literatura policial como um gênero menor, ela é um dos gêneros mais lidos no mundo. Seu público é eclético e variado: adolescentes e idosos, profissionais liberais, intelectuais, professores universitários, pesquisadores, homens e mulheres, aposentados etc. Ainda não existem estudos definitivos para explicar o porquê desse gosto do leitor. Talvez a explicação seja que o uso da fórmula (crime, investigação e solução) na construção literária traga em si uma grande carga mítica, um arquétipo, pois satisfaz as exigências de vitória do bem contra o mal. Existe também um grande desafio intelectual entre o leitor e o detetive. O leitor segue o raciocínio lógico e, junto com o detetive, tenta desvendar o crime. Quando finalmente o detetive captura, ou simplesmente aponta o criminoso, há uma sensação de que o mundo foi resgatado do caos, que a ordem foi restabelecida.
Como vimos, foram necessários séculos de História e Civilização — e uma conjunção de revolução industrial, literatura gótica, romances de cavalaria e filosofia positivista — para que Allan Poe juntasse tudo isso numa coqueteleira, chacoalhasse bem e produzisse o detetive, esse homem genial que proporciona aos leitores o prazer de enveredar num cotidiano repleto de minúcias, onde o raciocínio lógico deságua num final feliz, diferente do que vemos acontecer na realidade dos dias de hoje: o bem sempre vence o mal, como no mundo mágico dos contos de fadas! Com tudo isso, é fácil se tornar uma addict!
Se você gostou, acompanhe a coluna. Quarenta anos depois, Sir Arthur Conan Doyle usou a fórmula com maestria! Um estudo em vermelho! Até lá!

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